Sonhos de café

Jorge dos Santos Valpaços
2 min readFeb 24, 2020

--

Quando pequeno ouvi que os sonhos eram em branco e preto. Bobagem, sempre sonhei aquarelas. Nada muito forte. É fácil aguar sonhos com lágrimas que insistem.

Lágrimas de alegria, porém.

— Você sabe usar as palavras — aquele sorriso sempre adoça o ambiente.

— Gosto de brincar com elas, tecer algumas histórias. — A xícara ainda estava quente, mas insisti. Não poderia deixar aquele momento passar. Aprendi que o Café dos Sonhos ganhava novos sabores ao ser consumido com as notas de afeto suspensas.

— Se queimou?

— Nada grave. E o chá?

— Está ótimo.

Gatos brincam pelo ambiente. Idosos rejuvenescem. Uma canção agradável encontra nossos dedos brincando na palma das mãos do outro. Poderia ficar muito doce, mas não adoçamos nossas bebidas.

As novecentas e noventa e nove folhas chegaram a seguir. Como tínhamos encomendado, elas tinham recheio de creme de confeiteiro, aqueles amarelinhos de padaria. Sem coco, porém.

— Hum… maravilhoso!

— Aqui é mágico, né? Uma quietude agitada…

— Essas contradições são legais.

— E temos muitas outras a descobrir. — O último pedaço estava entre nós, e deu pra notar que ninguém queria tomar a iniciativa.

— Ei, outro beijo assim? Você ainda vai me matar do coração! — O relógio de parede acelerou, sincopado.

— Sabemos que vai ficar mais gostoso agora — dividi o pedaço e comemos ainda com nosso sabor.

O Café ficou pra trás depois de pagarmos a conta de passados. Apagamos alguns dias, revisitamos outros, superamos os terceiros. Com tudo pago, saímos.

A portinha que se abre apenas pra quem busca o Café dos Sonhos era azul desta vez. Mãos nas cinturas, toques, despedidas. Quando olhei pra trás, vi apenas a aquarela secando.

Acordei com vontade de café. Sorri.

O passado, amargo, é quente quando sonhado em doce presente.

--

--

Jorge dos Santos Valpaços
Jorge dos Santos Valpaços

No responses yet