Sobre jogos, educação e complexidades
Alguns dias se passaram após outro possível caso de pânico moral em torno de jogos narrativos em espaços escolares. Impediram a criação de um clube de jogos. Amigos pediram para que me posicionasse.
Muitos educadores explicaram com cautela as inúmeras questões propositivas em torno de jogos e educação. E fico muito feliz que as referências circulem, bem como o debate acerca do jogar, do brincar e da ludicidade.
Tenho tido de cautela ao me posicionar acerca dos jogos na educação. Sim. Sigo educador e entusiasta de jogos. Mas não deixo de observar uma série de questões que tornam o cenário mais complexo do que ser favorável ou não aos jogos em escolas.
E sim, muitos educadores destacam esta complexidade. Não inauguro o debate, longe disso. Mas a estica do tempo alumia olhares. Sobretudo às sextas.
Metodologias ativas fazem parte de escolas modelo há anos. Escolas inacessíveis à classe trabalhadora, grosso modo. E escolas excepcionais à rede pública, com acesso restrito e recebedoras de mais recursos que outras.
Enquanto os bons exemplos são apresentados, opera-se um sucateamento da educação pública, achatamento salarial, reformas curriculares excludentes e a abertura de campos de “investimento” do terceiro setor em espaços educativos.
Escolas periféricas têm carga horária reduzida em disciplinas que serão cobradas em exames de acesso ao ensino superior. E ali abrem-se brechas a uma série de atividades que podem ser conduzidas por quem não é docente da rede pública.
E muitos educadores faziam e fazem trabalhos incríveis em oficinas voluntárias sem reconhecimento (olha a ludovivência aí). Agora, abrem-se flancos para que interesses para além da comunidade escolar colonizem espaços de aprendizado.
Isso se não tivermos de pensar que o debate periférico é dramático. O papo não é se vai rolar ou não jogos, mas se a escola não vai ser fechada ou se tornar um colégio militaresco.
Há outras questões também ao se pensar em jogos de natureza narrativa em escolas que são bem mais complexos. Não é muito comum ver debates sobre gênero, raça e classe quando se fala em jogos e educação.
E enquanto educador e criador e jogos, sei que este não dito já opera muita coisa. Por isso que, antes de falar, busco pensar em quem, quando, onde, como e por quê jogos vão à sala.
Eu amo jogos. Amo ensinar e aprender. E sei das potencialidades dos jogos na educação. Mas não vivo no éter. As condições materiais são complexas e os jogos narrativos não se descolam do capitalismo tardio.
É neste cenário que jogos podem aparecer como soluções mágicas. Podem servir a excluir mais (com projetos acríticos ou de gamificação corporativa). Podem dar relevo a exceções na crise sistêmica no ensino público.
Por isso, a cautela.
Reitero. Jogos são excelentes. E podemos os usar na educação formal. Eu o faço. Mas a gente fica super empolgado com o que amamos e perdemos a visão do todo, as nuances. E é assim que a gente perde a chance de criar e jogar outros jogos.