Sobre escrever jogos
Recebi um convite para criar jogos noutra língua.
O sorriso, agradeço, veio com recheio de coceira.
Não me oponho em ter textos noutros cantares. Acho bocó reducionismos, patriotismos tacanhos. Se vier com esse atalho, vai tomar uma caneta.
Mas Grada Kilomba me lembrou de detalhes, nuances, esquindô-lelês.
Noutra dobra de tempo recente, a proposta era traduzir Déloyal. Cheiro bom. Como disse, leio e acho bom que se ocupem espaços. Mas penso que Ceifadores e Herdeiros dos Antigos colocariam mais coisas em jogo. Talvez.
Deito.
Traduzir não é escrever, criar naquela língua. Não me sinto apto para traduzir nenhum de meus jogos. E acho o trabalho de tradução algo excelente.
E, ainda que me sinta apto para criar em outra língua, fazê-lo ou não é algo mais delicado que possa parecer.
Fazemos recortes subjetivos da realidade, significamos o mundo nos expressamos com o nosso repertório. Pensar na criação de um jogo de palavras (e o rpg minusculado nada é além disso) em um não-português-brasileiro-periférico-brincante gera outros efeitos, (des)caminhos, atos.
A redação de um manual de jogo (de linguagem) é um jogo (de linguagem) sobre linguagem. O texto é convite de interpretação (não de papéis!) e expressão. Um texto jogável é convite a atos de fala.
A opção pela escrita num ou noutro tom, registro ou convenção, é uma opção estética. E não teria como fechar meu ciclo hermenêutico e político, ao brincar de jogo nas periferias com falares do centro.
A escolha não se refere ao alcance, público ou vendas. Mas a certeza de que consigo pintar bem com esta paleta. Novamente: nada contra quem usa outras.
Ocorre que a escrita é também algo prufundamente pessoal para mim. E as escolhas, vazios e dores que permito sangrar nos textos ganham curvas quando permitem me mirar no ponto de fuga.
Afinal, a palavra que sai, expressa, sempre (me) foge. E a leitura de meus livros-convites e partilha da janela por onde vejo o mundo. E quando você se expressa vestindo meu texto, a gente pula a janela e joga junto, com o mundo como testemunha.
A fim de que tudo fique sussa: sigo no desvio. Leio e jogo jogos em não-português. Sim, seria legal um ou outro jogo meu em não-português. Mas me sinto incapaz de imiscuir-me na seriedade brincante que é escrever sem poder mandar um “tá de zoa” suave.
Por isso, O Bonde Fantástico vem.
Um experimento estético.
Um jogo de fantasia.
Em breve.