Silhuetas na parede
Tarde. Tardes. Depois de meses, a calma vem. O sol se deita macio e, quando a luz morna atravessa a mangueira, a parede do quarto recebe contornos que dançam.
Meus ouvidos recebem a canção da brisa. Estranho. Não as ouvia antes de ver a moldura viva em minha parede. Quando mirei naquela direção, sentidos se abriram.
Senti. Senti-me comigo. Ladeei o olhar e encontrei-me. Novas percepções, leituras, tempo de calma. Cuidar de si, de quem está próximo. Cuidar.
Todos os dias de sol, comuns no inverno seco, pintam o quadro em movimento em meu quarto. Encaro a esquadria, ela recorta o que entra, mas convida o olhar para fora.
Ressignifico a alegoria da caverna. Formas não são tão somente projeções de algo real. Elas constroem realidades. Silhuetas, sem cores, mesclam camadas, exaltam contornos, contrastes, contraem. Explicitam recortes que sempre fazemos e, quando bem acolhidos no átimo da tarde macia, dançam conosco.
Que o amanhã permita outra gastura de tempo, outra prosa sem propósito, outro brinquedo de palavrear. Quero ver outros contornos e contar outras histórias com as silhuetas bailarinas. Mas não ficarei triste se outra história ou mesmo nenhuma chegar pra tomar café. A janela se manterá aberta.