Ruídos (des)educativos

Jorge dos Santos Valpaços
2 min readMay 5, 2021

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Tenho refletido em várias conversas com educadores sobre as potencialidades dos alunos e como a produção dos saberes escolares não é considerada. Basta olhar e escuta atenta para experenciar inúmeros atravessamentos complexos em apenas 1 tempo de aula, por exemplo.

Daí é curioso como uma miríade de discursos sobre “a educação defasada” o “ensino não se adequar aos nossos tempos” e uma série de enunciados reverberem acriticamente. E isso facilita toda sorte de “transformação”, “flexibilização”, “novidade”. Curioso…

Em meio a discursos tecnicistas, dados “técnicos” como o salário docente, a estrutura das escolas ou parâmetros sociológicos da comunidade escolar (saneamento básico, moradia, emprego, alimentação, etc) não são levados em conta na “revolução pedagógica”.

Revolução esta que, magicamente, transformará a realidade, segundo discursos de “especialistas da educação”. Sim, você sabe, nenhum destes é representante da classe docente, de agremiações discentes ou pesquisador da educação básica das universidades brasileiras.

O que destaco é que o “discurso técnico” que visa otimizar a educação parte de formulações alheias às demandas e pesquisas na área. E também é interessante observar o vocabulário migrando do setor empresarial ao educacional. Eficiência, gestão, otimização, sucesso.

Tenho cautela ao ler e ouvir os “especialistas em educação”, observar suas vinculações. Leio parâmetros curriculares e “reformas” e encontro a “flexibilização” por toda parte. Chega a ser curioso como até mesmo questões instigantes da pedagogia são subvertidas nalguns projetos.

Trabalho com alunos questões acerca da causalidade de eventos e consequência dos mesmos. Não raro é observar retroalimentações de processos e multifatorialidades, algo que os jovens têm aprendido de forma bastante instigante.

Busco levar às aulas também os debates sobre as “reformas educacionais”, uma vez que eles fazem parte deste processo e, felizmente, as aulas acerca das múltiplas relações que fomentam processos e interesses em disputa por diferentes atores emergem.

Tenho tratado os processos avaliativos como espaços de crítica, expressão e criação por parte dos alunos. Contudo, nenhuma reinvenção da roda, mas ensaios. Textos. Produção textual. Nada mais “quadrado”, “fora de moda” ou “tradicional”. (ou não)

Ao trabalhar com cautela, durante meses, com a argumentação criteriosa e lógica, com a estruturação de análises acerca de documentos, enunciados e narrativas sobre o passado, observo, passo a passo, as tais “habilidades e competências” florescendo.

Longe de ser refratário a inovações, apenas destaco que é importante, no lugar de se ater ao reto caminho acelerado, sentar à esquina e arejar. Ali, no tempo infinito do acaso e do improviso, o improvável desenha a resposta de drible à norma.

E nestas conversas (é tempo de conversar, de falar com calma e ter a escuta atenta), tudo aquilo que parece desimportante ganha relevo. Muitos descobrem que as elipses dizem muito e que o silêncio é desejável.

Então, sigamos como Enki: que a gente possa seguir fazendo barulho e incomodando as gerações mais velhas. Não é preciso muito pra desviar, pra deseducar.

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Jorge dos Santos Valpaços
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