(Re)fluxo
Ansiedade antes de viajar. Sentimento bom ao voltar pra casa. Alguma coisa no recheio deste sanduíche de clichês me afeta.
Há vinte anos comecei a escrever crônicas sobre viagens. Não sobre grandes viagens, mas sobre trajetos no ônibus, no trem, no metrô, e até mesmo a pé. Estar em movimento é algo muito agradável para mim, talvez mais do que o conhecimento de algo necessariamente fascinante.
Fotofobia briga com o fascínio.
Ainda que aprendamos a negar o corpo, tornei-me mais atencioso ao que sou com o passar do tempo. E não, nada de decrepitude, velhice, essas coisas. Passei a notar com cuidado minha postura, coisas me irritavam e como isso se expressava corporalmente. O relaxamento quase sempre era encontrado no processo de “estar em/com algo”, no meio de um movimento, de uma atividade, de um processo imersivo, de entrega. Um padrão: uma atividade desimportante na qual pudesse me perder.
E foi necessário parar de escrever regularmente para perceber isso.
Curioso que houve escritas no caminho. Algumas com prazo, seguindo um método, para exercitar. Mas o rabisco e o processo ficaram propositadamente de lado, junto ao contrabaixo e arranhões. O torcicolo tardou, mas não falhou.
Decifro o gosto pelo gerúndio, o perder horas nalgo, não lembrar o que estava fazendo, abrir espaços na mente destinados apenas para coisa alguma. Gosto, sobretudo, do tênue e por vezes arriscado jogo de sustentar este fluxo. E, quase sempre, do devaneio, algo sai.
A escrita, a música, a conversa, o toque noutras peles. Deslocamentos (de mim mesmo, por vezes) físicos, emocionais, sociais. Apostas, riscos, abertura. O “estar fazendo” não é eficiente, porém prazeroso. A eficiência é consequência, muitas vezes incidental, do fluxo. E vou hackeando as regras do jogo para encontrar outas formas de sustentá-lo. Vez por outra quebro a cara. Quase pulo do trem. Quase.
Amizades comentaram sobre passarem por uma crise de meia idade. Questionei sem pestanejar. Maturidade é o processo de deseducar o corpo e inserir o prazer no fluxo, não na exceção. O que mais se vê é o elogio do prazer além da rotina. O sétimo dia é especial. Tão especial quanto o sexto, o segundo, o vigésimo terceiro. Ah, o vigésimo terceiro…
Dor e desafio não são antagonistas da dança. Giram, giram, entorpecem. Ali, na rasura da segurança, e não na superação do conflito, há gozo. Não que eu busque essas melodias. Ocorre que nem sempre escolhemos a trilha sonora. Mas isso não significa que não podemos tocar junto, seguir o ritmo e até mesmo dançar.
Encontros aleatórios. O sorriso bobo deixou de ser possibilidade.
Vez por vou deixar uns rascunhos aqui. Mas infelizmente não posso dizer que voltei. Precisaria ser o mesmo e estar no mesmo lugar. Mas o rio é… você sabe, outro clichê.