Jorge dos Santos Valpaços
3 min readJul 7, 2023

Palavras sobre os últimos tempos

Princess Cyd. Um diálogo significativo. A tia da protagonista, em meio a uma discussão, disse o quão importante era "ler ao menos três horas, num sábado".

Não consigo ler mais de 2 páginas faz quase um mês. Há pouco, declinei a décima proposta de atividade.

Não consigo, ao menos, no momento, garantir que possa escrever ou criar algo por um tempo. Pela contradição, pinto esta tela com as palavras que encontro no asfalto da 116.

Uma semana após o êxtase do Diversão Offline, após os encontros e a vitória em dois prêmios Goblim de Ouro, tudo virou ao contrário.

Todos que já jogaram jogos narrativos comigo ouviram que lidar com situações de sofrimento relacionado ao cuidado de pessoas acamadas, com grande dependência, é um dos meus limites.

Vivo nesta situação desde a queda. Novamente. O sangue. O susto. A entrega. A rotina. Uma coisa por vez. Mas sei que portas fecharão. Eu mesmo, dado o esgotamento, aprendo a desistir. Todo dia.

Havia pensado que teria ainda 2 livros de jogo mais estruturados a concluir. É provável que não aconteçam. Estou ainda me acostumando com este não-fazer.

A felicidade da vitória na premiação e vários horizontes abertos em 2023 ruíram. Quem amo se voluntaria, mas sei que seria pedir demais lidando com os compromissos que seguem. Então, sigo mais leve, sem expectativas.

Eu tô laje acima e o cerol que traz a vida pra baixo. Pra baixo. Pra baixo.

Encaro as luzes do Outro Mundo na primeira folga, após alguns dias. Revisito meus últimos dias e só encontro o caos. O absurdismo é ar seco que machuca a narina. Mas, mesmo no copo d'água, sinto seu gosto.

Hoje eu tomei sol e cochilei no ônibus. E acho que foi a melhor coisa que fiz sozinho há algum tempo. A seta pro amanhã que apontava pra algum lugar tornou-se três espirais. E eu rodo pião.

Quando chega a noite, tempo bom de pensar e queimar a mente, não quero. Não quero nada. Planejei quase quarenta anos pra vadiar (o grande projeto de vida). Mas tô arroz doce demais pra isso, agora.

Então nada faço além de rir de tudo que me atravessa. Não consigo levar nada a sério, além da antecipação de fracassos. Suspeitava que tinha vocação pra isso. Mas... alô povão, agora é sério, canta Caxias, segura!

E a família vem apenas ecoar silêncios. O quadrinho aberto enxerga o olhar vazio. Aprendi a ler em Z, mas agora só as gotas salgadas que chovi se arrastam pelas páginas.

A busca do porrão não tem fim, e não faz barulho. Sísifo subiu o morro da baiana, mas o bondinho não funciona faz tempo. Desço esguio porque tac-tac-tac.

Mas a maquiagem vem, de Trupe. O débito é automático e o sorriso tem de acolher no culto de domingo, dia de trabalho.

Neste ofício, guardamos quartas. Guardamos pra cansar mais. Amen-doim.

Tudo o que disse é verdade. Absolutamente tudo. E é assim que me veio. E é assim que mordo minha vida, por enquanto. Sei que vai mudar. Mas registro é assim: já foi. Quero ler isso noutro momento. Aliás, não sei se quero ler isso noutro momento. Ou melhor: as duas coisas.

Jorge dos Santos Valpaços
Jorge dos Santos Valpaços

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