O que te vem em mente quando pensa no jogar RPGs?

Jorge dos Santos Valpaços
3 min readDec 23, 2021

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Uma coisa tem chamado um tanto a minha atenção: a imagem sobre o jogar RPGs de mesa. Pensei muito a cada vez que isso ocorria. E, como costumo refletir sobre o que se tem em mente ao falarmos sobre o jogar jogos narrativos analógicos, decidi escrever este texto.

Ouço falas em podcasts que localizam a prática ao passado. “Antigamente, quando jogavam RPG”; “Isso é da época que eu jogava RPG”; “No tempo que RPG era moda”.

Tenho contato também com enunciados que lidam com conceitos como XP, evolução, quests, bosses/chefões, ataque de oportunidade, upar, customização e o ato de jogar campanhas como relativos aos RPGs.

Ouvi recentemente até que “algo mais sério e de grande dedicação é uma experiência de RPGs” enquanto “jogos casuais e efêmeros são próximos à boardgames”. O que ignora jogos narrativos de sessão única ou jogos de tabuleiro legacy, por exemplo.

Longe de fazer uma defesa boba do jogar RPG, como se fosse algo único ou a ser defendido, fico a pensar nos efeitos da construção discursiva. O intuito é pensar na cristalização do conceito RPG valendo-se de uma análise sobre o que se fala, sobre o que se pensa ao imaginar a prática de algo “rpgístico”.

Não penso que seja interessante analisar o RPG enquanto um conceito fechado. Pense em uma família de conceitos (numa pegada da história conceitual britânica) ou como um campo (numa abordagem sociológica). Isso implica na mobilização de termos ao redor, de práticas e relações com outras experiências lúdicas.

Mas… E daí, quais seriam os efeitos do imaginário em torno do RPG para a compreensão de sua estética e do próprio jogar?

O primeiro, óbvio, homogeneíza as práticas lúdicas. Processo comum de deslocamento do substantivo comum para o coletivo singular. De histórias para História. De jogo n, um jogo de rpg, para RPG.

Isso gera debates sobre o que é e o que não é RPG “de verdade”, sobre o uso de termos como jogos narrativos e, sobretudo, sobre a expectativa acerca do jogar RPG como sinônimo de jogar aquele RPG.

O segundo é a localização no tempo. No tempo cronológico ao desconectar o jogar RPGs do presente. E no tempo de vida, ao relacionar o jogar à infância/juventude dos indivíduos.

E neste ponto há um decorrente sentimento de perda, não raro acompanhando pela nostalgia (aquele tempo era melhor). Movimento que refrata a imagem dos jogos contemporâneos.

O terceiro é o isolamento da prática às hibridizações e ressignificações. O jogar RPG de mesa se congela e isola, não é tomado enquanto componente dinâmico e parte de diversas expressões culturais, ainda que ele esteja presente nas mesmas.

“Tem gente que faz roleplay quando joga no server X” ilustra o caso acima. Em FFIV. Maa também em GTA e Fortnite. E há muito de boardgames modernos, de jogos eletrônicos e tantas outras expressões lúdicas em jogos de RPG.

O senso comum em torno dos RPGs de mesa é interessante. Esviscera o caráter político dos jogos. Seria ingênuo pensar na circulação das imagens sobre o RPG desprovida dos atores e interesses envolvidos.

Enquanto autores e pesquisadores analisam a diversidade e a complexidade das práticas, há também interesses em fazer com que as construções discursivas que simplificam e domesticam o jogar persistam.

Caso pensemos no RPG enquanto prática cultural nem um pouco alheia à sociedade capitalista contemporânea, podemos encontrar algumas hipóteses instigantes acerca das disputas em torno da hegemonia do que é jogar RPG.

Mas este jogo eu deixo para vocês jogarem enquanto jogam os meus jogos. Afinal, os jogos que eu crio sempre são jogos sobre jogos. E enquanto a gente joga, vai desaprendendo a definir o jogar. ;)

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Jorge dos Santos Valpaços
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