Manhã de fé
No ponto de ônibus, uma fatia da torta política brasileira.
Genilson Gomes panfleta, na entrada da igreja: "Aceita?". E eu, que não pego panfletos, respondo: "Não, obrigado". "Deus o acompanhe."
Genilson usa camisa preta, calça social preta, sapato preto. Na camisa, uma sigla indicando sua posição na igreja. Ele é ladeado por Timóteo Jr., dezesseis anos, uniformizado com as cores azul, vermelho e branco da camisa pólo do grupo da juventude da igreja.
Ambos abordam saintes do culto, dizendo que o candidato à vereador do panfleto é pastor e foi morador de rua.
Enquanto isso ocorre, dois sem teto se aproximam da concentração formada na saída da igreja. Eles tomam esmolas, mas não são abordados pelos obreiros/militantes/proletários-da-fé. Eles não votam, uns podem pensar.
Relações sociais complexas demais para uma manhã cansada de domingo. Enquanto o ônibus não chega, vejo Laudemar com a camisa da Imperatriz Leopoldinense levando o pão pra mesa da manhã: rituais de domingo. Laudemar odeia igrejas.
Genilson, cabo eleitoral e pregador, coloca centenas de panfletos sob a camisa, prendendo os papéis à sua calça apertada pelo cinto. Então, já com celular em mãos, ele anota o contato de dona Leni Sampaio, garantindo um serviço de pequeno reparo em sua casa no meio da semana.
Sobreviver é pular de bico em bico. Eis o mistério da fé.