Limpando o poço

Jorge dos Santos Valpaços
2 min readFeb 24, 2019

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Mais uma semana de docência e alguns objetivos básicos no diário: apresentar de forma crítica a sistemática operação discursiva que deslegitima setores que lidam com informação e conhecimento.

Não é raro observarmos questões feitas em sala de aula, ou mesmo fora dela, nos corredores do colégio, que replicam falas que tratam professores, pesquisadores e até mesmo veículos midiáticos de forma pejorativa, a despeito da formação técnica e acadêmica dos emissores de discursos. Uma vez que considero a educação como uma prática que possua como função social o estímulo do raciocínio crítico, dediquei boa parte de minha agência nas aulas desta semana ao que chamo de limpar o poço.

Considerando o aluno como um indivíduo atravessado por afetos e possui experiências próprias, círculos de convivência complexos e bagagem cultural construída em instâncias para além do colégio, não é difícil identificar as fontes de tais discursos que atacam a intelectualidade. Cabe, para além de identificar quem constrói os ataques e os dissemina, não cair na mesma operação discursiva e os deslegitimar, mas demonstrar as fragilidades e objetivos possíveis dos construtores das críticas aos especialistas. Ao passo que isto se faz, apresento o ofício do historiador e como o processo de construção de saberes acadêmicos (permeado por críticas e debates) se constrói. E, por meio da fricção entre tais conteúdos, os saberes escolares são edificados.

Mas, como tais críticas aos professores e especialistas opera? O dispositivo retórico de atacar supostos opositores através da apresentação de informações adversas, visando desacreditar um emissor e prevenir divergências é normalmente combinado ao ataque à pessoa do emissor, vez por outra simplesmente dizendo que o argumento do emissor é absurdo, sem apresentar argumentos para tanto.

Uma vez que considero enquanto uma função social da educação a difusão de conteúdos que sirvam a apropriação de saberes pelos alunos a fim de que tenham subsídios à transformação social, debater os conteúdos que são partilhados de forma não natural, mas socialmente construídos, é cerne para a tarefa docente. Neste sentido, o processo educativo é uma mediação para a ação social. A quem interessa criticar a aplicação de vacinas? Qual o interesse em relativizar as ditaduras que ocorreram no Brasil? Qual o papel que as forças armadas tiveram na nossa república? Estas são algumas perguntas interessantes que debatemos.

Foi muito positivo conversar sobre como os saberes acadêmicos são construídos, quais os caminhos que um pesquisador possui, desde sua formação até a vulgarização de suas pesquisas. E, neste ínterim, tratamos da inserção de estudos acerca da História e Cultura Afrobrasileira e Indígena nos currículos e a presença de estudos de gênero na educação (que estranhamente é combatida), por exemplo.

Agora, observo o poço mais limpo que outrora. Mas sabe como é, a manutenção é necessária. Então estas aulas “de início de ano” sustentarão toda a prática docente daqui pra frente.

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Jorge dos Santos Valpaços
Jorge dos Santos Valpaços

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