Jogos de palavras

Jorge dos Santos Valpaços
2 min readMay 24, 2021

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Jogos de palavras, jogos de linguagem. Penso cada vez mais em cada termo que escolho em histórias e jogos que crio. Algo que pode parecer simples ou convencional por vezes se apresenta enquanto uma armadilha.

A mudança de exploração para descoberta, e de combate ou dominância para audácia giraram em 180º as primeiras experiências de um projeto. Definir cautelosa e criteriosamente os conceitos-chaves e não definir mecânicas a priori, norteiam o desenvolvimento.

Considerar termos incomuns aos jogos como um entrave a sua acessibilidade pode ser um falso dilema, uma vez que ao recorrer a conceitos já conhecidos constrói expectativas que podem não se adequar ao seu projeto. Para além disso, ao definir o conceito atrelado a uma dada proposta, a apropriação semântica orienta a prática lúdica.

Ainda que por vezes haja preciosismos, o caso acima demonstra que o repertório conceitual, os ingredientes do “jogo de palavras” são fundamentais quantitativa ou qualitativamente.

Em Arquivos Paranormais, por exemplo, há uma única perícia que pode ensejar violência: Combater. Ser a minoria dentre as ações possíveis e não se ater a detalhes (armas de fogo, alcance, etc) indica com segurança que o jogo não é sobre combates.

Por seu turno, Ceifadores tem TODAS as perícias desenhadas para que sua personagem possa as usar para matar. E a escolha de apresentar as perícias enquanto verbos em AP e substantivos em Ceifadores não é desprovida de propósito.

Já Magos Lacunares da Torre Púrpura não possui pontos de vida, morte, dano, combate ou instâncias de agressão. Além da própria elipse também comunicar, há regras e mecânicas reforçadas pela diegese que se relacionam com esta escolha criativa.

Neste sentido, penso que redigir um jogo narrativo não se trata apenas de buscar soluções mecânicas e ficcionais para a tessitura narrativa contingente. Também é lidar com a própria construção do repertório disponível tanto para sua comunicação quanto para os atos de enunciação durante a partida.

Observo que parte de frustrações em experiências se dá não por “sistemas quebrados” (termo que considero problemático) ou “cenários ruins” (outra questão complicada), mas pela mobilização de conceitos para comunicar e para construir repertórios a serem apropriados.

Sim, é fundamental termos coerência e clareza ao redigirmos e nos expressarmos. Mas, em manuais de jogo, e, na real, em qualquer fala, por vezes abrimos mão da complexidade e da precisão e recorremos ao “mais comum”. Mas será que queremos realmente comunicar o que dizemos ao fazê-lo?

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Jorge dos Santos Valpaços
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