Jorge dos Santos Valpaços
2 min readMay 13, 2023

Jogar no tempo e no espaço

Lembrei de uma fala do Luciano Jorge de Jesus no Falha que eu te escuto, programa do Falha Final. A certa altura da entrevista, ele falou sobre a importância de pensar na posição do jogo (e adiciono, do jogar), em uma sociedade cansada.

Neste ponto, ecoam conversas com Luciano, Gil, Hiram, Priss e tantas pessoas sobre as práticas de jogar na periferia de um sistema de consumo de entretenimento que não é alheio à formação do ser neoliberal.

Jogos existem desde quando 2 é par. Mas a formatação do jogar durante e pós os anos 70, agora pulverizado em ações cotidianas, não é ingênuo. Pelo contrário, aliás, as técnicas e tecnologias são profundamente interessadas.

Neste sentido, ignorar a cadeia produtiva em torno dos jogos, a posição do jogar atrelada ao engajamento com baixa criticidade (diegética ou ficcional) e os mecanismos suicidários e opressivos em prol da sobrevivência ante o mundo hostil (gerando o jogar cínico e solipcista) não são fenômenos dissociados do processo multifatorial de educação atomizante, alienizante e colonizada que o jogar contribui.

Sim, jogar pode ser também se divertir. Mas o que se pretende ao falarmos de diversão, bem como a necessidade de acompanhar tendências e debates que alimentam a hegemonia lúdica não podem ser questões naturalizadas.

Não jogar é jogar. Preguiçar, e não jogar um jogo 4x consigo mesmo, é jogar. Rasurar, fazer gambiarras, desistir, fazer menos, não acumular e dividir, é jogar.

O ritmo frenético, incompatível ao criar mantendo a segurança e a saúde mental, me fazem atravessar a rua. Nem mesmo estimulo a compra, pura e simples, de meus livros. A questão de ler e jogar não se descola de nossas vivências e atravessamentos.

Nos vendem a vida ascendente, linha reta, progressão linear (vez por outra exponencial). Existência performada pela melhor tomada de decisões. Mirada no sucesso. Estratégica.

Um jogar singular, porém flexível, projetado para que você engaje projetando seus afetos, com ilusões de escolha, mas que, em uma leitura crítica, não se distingue do que circula para além da partida.

Então, no lugar de acelerar na rodovia, protegido pelo bólido-armadura, parar no cruzo mostra outros caminhos que escapam da hegemonia do jogar. Mas é preciso desaprender a jogar pra isso.

Penso que o grande desafio de quem cria histórias de jogar é propor este desaprender. Um desaprender além do jogo, por isso, no jogo.

Daí, o tempo do respiro, a brisa da Vila do Caju, me ligam ao que Luciano falou. Estou na vibe de me afastar de corres em torno do jogar. Miro noutros projetos, coisas que não são RPG. Por isso, muito RPG.

No horizonte, faltam 2 jogos pra pendurar as chuteiras. E, depois disso, nada além que a tranquilidade macia. Pois não é apenas o mundo que é finito (ainda que nos vendam que não é). Saber sobre o fim, planejar o não-fazer, é jogo.

Até lá, jogos que repensam a sociologia do trabalho, a criação, publicação, temas e mecânicas. Em tempo de banho-maria, da massagem no couro cabeludo, em revistas com minha digital. Nada mais analógico, pois.

Jorge dos Santos Valpaços
Jorge dos Santos Valpaços

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