Jogar com o (des)controle
Conversas com o Lampião. Ludovivências. Questionamentos. Último episódio do podcast Caquitas.. Entrevista no Falha Final. Cruzos.
Muito do que se constrói em tradições sobre jogar jogos narrativos se dá sobre a busca pelo controle das consequências das ações que tomamos.
RPG se construiu como um jogo sobre controle e redução de riscos. E há diferentes soluções criativas para apresentar o controle sobre risco como recompensas em jogos.
Numa delas, a cautela e a construção narrativa ultra descritiva orientam o não-engajamento mecânico. Noutra, a otimização do acionamento dos recursos disponíveis na tomada de decisões.
Há ainda a exposição ao risco orientado, de forma a enquadrar o perigo num enquadramento que forneça mais margem de intervenção diegética e supradiegética.
Sei que há outras abordagens, como o controle do fluxo de recursos de jogo para aproximar ou afastar os risco do descontrole.
A centralidade dos desafios em jogos narrativos no andamento das histórias jogadas se refere a isso, inclusive. E a modulação de sua superação em instâncias não-binárias atesta questionamentos acerca do controle ao jogar.
Inclusive a possibilidade de escolhas após a ativação de uma mecânica é um exemplo de exploração de possibilidades em torno do domínio sobre os riscos na ficção.
Mas... e se o controle fosse posto em segundo plano? Seria possível criar um jogo narrativo no qual "não há falhas", e o desafio se encontra em incorporar o improvável, o risco e imprevisível à tecitura narrativa?
Na conversa com Gil e Thiago, conversamos sobre como um design poético busca outras formas de se experimentar o fenômeno do jogar. Por isso, no lugar de negar tradições, faço com que busca pelo controle seja eclipsada.
A estrutura de narrativas com conflitos sucessivos e aquisição de capacidades e recursos é parte do que conhecemos como RPGs. Mas tenho pensado se os marcos de engajamento (ou fuga do engajamento) ante desafios não pode ser "outra coisa" além da superação (ou não) de conflitos.
Mesmo com condicionais, marcas de parcialidade na atribuição de sucessos ou fracassos, atravesso a rua. Projeto-no vazio em busca de construir outras formas de fazer jogadas, e de se relacionar com personagens, cenários e com os papéis que assumimos ao jogar.
Neste descaminho, repenso o posicionamento que assumimos ao jogar histórias, e, por conseguinte, em cada elemento discreto (material, inclusive), que constrói a experiência de jogo.
Daí, não nascem apenas novos jogos. Mas novas formas de jogar. E, consequentemente, novas maneiras de redigir livros-convites de inventar mentiras verdadeiras em jogo.
Ao ressignificar os gatilhos de aleatoriedade da superação de conflitos para a própria tomada de decisão das personagens, desloco a agência de quem participa para outra direção.
Tenho pensado em jogos desafiadores. Mas que o desafio não esteja condicionado ao sucesso ou ao fracasso. Jogos que perturbam o "jogar seguro" ou a busca pelo controle. Jogos de vertigens, jogos nos quais você "sempre acerta", mas também é acertado.
Jogar, não com o risco, mas no risco (e no riscado) é abertura. É travessura entre certo e errado. É outra coisa de jogar, na qual você precisa se por em jogo. É a subversão do avatar-personagem, rasura de círculos ludomágicos.
Cruzos. Amores da Vila do Caju. A Trupe.
Nestes jogos, a gente se encontra.
Na enredação. Na partilha. Na poesia.
O resto a gente (des)esquece.