Jogando com os conflitos
Algo interessante ocorreu na campanha de Lições RPG que jogamos. Resgato em memórias o ocorrido e verifico como por vezes nuances sutis nos escapam, e como supostos detalhes são agregadores às experiências de jogo.
Duas personagens estavam em um veículo em um território pouco conhecido. Elas fugiam de uma perseguição mordaz. Uma era uma criança traquinas, afeita à tecnologia. A outra, mais velha, repleta de notas artísticas. Contudo, fugas de lugares comuns.
A jogadora que criou a criança não a fez seguindo o arquétipo centrado, frio e calculista, ou mesmo arrogante. A infância foi abraçada na voz, no olhar e nas escolhas das minúcias que compunham a personagem.
O mesmo à personagem artista, nem um pouco reduzida à unidimensionalidade de ser alguém “com a cabeça nas nuvens” ou o que o valha. Inclusive, por muitas vezes, esta foi a voz pragmática do Capítulo jogado.
Ocorre que na partida houve algumas farpas e visões distintas acerca dos caminhos a seguir. Até mesmo a criança empurrou a personagem mais velha de uma cadeira para dirigir o veículo. Este foi um momento que observei com cautela, uma vez que poderia ensejar conflitos entre as pessoas participantes.
Entretanto, dada a estrutura do jogo, felizmente isto não ocorreu. Hoje verifico que não se trata apenas de uma partilha de ideais prévios ou somente da assunção de mecanismos e procedimentos de segurança. Ocorre que Lições é desenhado para que estas instâncias conflituosas e dramáticas emerjam.
As personagens são “quebradas” e “descobrem-se” enquanto lidam com as demais e com os conflitos. Não há fuga de problemas, mas uma tensão que se desvela a cada instante e que, apenas com a maturidade de se relacionar com outras pessoas, podemos prosseguir.
As jogadoras não estavam “se espetando”, mas engajaram profundamente, ainda no início da campanha com os conceitos centrais das dinâmicas de jogo, e acionaram Imagem, Dramas Pessoais, Motivações e Afetos, dando mais densidade às cenas jogadas.
Por meu turno, valendo-me do sistema de Lições, acionei algumas Minúcias específicas e fiz Jogadas de Destino e Drama para mexer com a relação de ambas Protagonistas. Enfim, foi algo muito satisfatório, de verdade.
Concluo a reflexão sublinhando a importância de não nos esquivarmos dos conflitos à mesa (e fora), mas pensarmos o que os define e como engajamos com eles. Conflitos não são combates e, o dissenso é o convite ao debate. A disputa, o diálogo e as oposições fazem parte do(s) jogo(s), sem que eles signifiquem a aniquilação do outro.
Lições é também sobre isso.
Mais sobre Lições aqui: https://lampiaogamestudio.wordpress.com/licoes-historias-entre-mundos/