Em algumas aulas noto o olhar de espanto ao explicar que o modo de produção capitalista não é natural, que há distintos arranjos sociais, relações de trabalho e que nossa instância de capitalismo neoliberal se insere em um processo histórico complexo e contraditório.
Além da normalização do mundo no qual vivemos como a única possibilidade, o que me chamou atenção foi a projeção ideológica explícita ao avaliar outros processos históricos.
Solicitei ensaios críticos às estruturas produtivas da América Portuguesa e recebi uma atividade que considerou problemática a existência de quilombos pois afetaria a produção de cana-de-açúcar.
A mesma atividade criticou outros mecanismos de resistência, até mesmo os furtos de ouro por pessoas escravizadas para a compra de suas alforrias. Nos dois casos, o grupo sugeriu mais vigilância e controle para aumentar a eficiência.
Numa das frases, destacou-se até mesmo uma melhoria das condições dos trabalhadores para que pudessem produzir mais. Obviamente estas atividades serviram como avaliações importantes numa perspectiva crítica.
Ao corrigir junto a eles e debater os ensaios (não exporei as atividades por questões éticas caras ao ofício de educador), questionei a perspectiva assumida nas redações.
Quem são os agentes históricos de seu ensaio? A quem o discurso da “economia” e do “mercado” como entes amorfos e transcendentais atinge? As instâncias de ruptura, de violência, de ação nas margens e frestas e de negociação são ilegítimas?
Quem determina o que é “ordeiro e legal” em uma sociedade? Quais as relações entre as esferas jurídica, econômica e política?
Em uma das mais complexas aulas que já conduzi em toda minha carreira, iniciei um processo de provocação que terminou naquele falatório maravilhoso que apenas quem leciona sabe como é.
Não julguei os alunos em momento algum. Parti de alguns olhares para tensionar, provocar o desconforto. Sem enfrentamento às pessoas, mas ao que estava sendo defendido por ali.
Vez por outra a gente fica bem chateado com coisas que rolam na escola. Normal. Mas há dias que os dados rolados nos favorecem. Sigamos em boa fortuna.
Uma aluna, ao terminar a aula, veio ao meu encontro e disse que eu era irritante, que a cabeça ficava fervendo depois das minhas aulas. E ela agradeceu. Disse que foi a melhor aula do ano.
Saí da sala com o caos instaurado.
Irritante.
Desconforto.
Cabeça fervendo.
2022 promete.