História, ciência, escravidão, desinformação: uma conversa sobre educação, uma entrevista e um documentário
Nas últimas semanas me deparei com um texto didático sobre o Quilombo de Palmares que sustenta a hipótese da escravização de pessoas, inclusive por Zumbi. Sei de onde esta hipótese foi tirada e quais as suas intenções. Contudo, não há evidências que sustentem esta afirmação. Encontrá-la em um texto para o ensino de história foi algo muito complicado.
Entretanto, optei por trabalhar com meus alunos a partir deste texto para lidar com o método historiográfico. Começamos a questionar as afirmações de cada parágrafo do texto, bem como da atividade proposta pelo autor. Não encontramos documentação que as sustentassem e, após isso, pesquisamos tanto a origem da hipótese como suas críticas.
Neste processo, fui apontando os passos que uma pesquisa histórica possui, bem como apresentando sua validação acadêmica, os processos de publicação, a revisão por pares, os debates teórico-metodológicos e a revisão constante dos trabalhos, algo fundamental para a disciplina.
Assim, o “ofício do historiador” e “as fontes históricas” não ficaram destinadas apenas aos primeiros capítulos do livro didático, às primeiras aulas do ano letivo. Longe de reproduzir o trabalho de historiadores nas salas de aula (pois os saberes escolares são de outra natureza), estas atividades que conduzi trouxeram várias questões contemporâneas aos aprendentes.
Primeiro, a desinformação e seus usos políticos. Segundo, a mídia e a publicização dos saberes. Terceiro, o aprender sobre o método, sobre a construção dos saberes de campo, algo atacado pelos difusores de teorias conspiratórias e negacionistas científicas.
Sei que poderia ter “corrido com o conteúdo”, mas penso que o papel da escola/(des)educação contemporânea seja (também) fornecer repertório, pois a partir do conhecimento de produção de saberes acadêmicos, teremos novas gerações mais críticas e menos suscetíveis à reprodução de desinformação, uma preocupação premente a todas pessoas educadoras.
Noto, vez por outra, certo fatalismo ao afirmarem “as pessoas não fazem checagem de fatos, acreditam em teorias conspiratórias e ponto”. Entretanto, não estamos pensando que os processos educativos servem não a fornecer “conteúdos” (em uma concepção freireana, por exemplo), mas a fornecer instrumentos para a compreensão e agência social.
Logo, a crítica desinformação não é algo “natural” ou “da essência humana”, mas é uma habilidade ensinada em processo intencional, contínuo e propositivo. E é papel de todos nós restituirmos a legitimidade não apenas dos saberes de campo, mas dos processos educacionais enquanto necessários para a reversão de negacionismos. Afinal, não há ingenuidade por quem os difunde.
Considero, inclusive, fundamental a leitura de uma entrevista de uma especialista sobre o tema, a qual destaco um trecho:
“Há uma questão importante que devemos abordar na escola: as pessoas devem saber que a ciência não pode fornecer certezas, quanto mais para algo totalmente novo. Mas, por outro lado, é a única coisa em que podemos nos agarrar. O que as pessoas tendem a fazer e dizer intuitivamente é :”estou muito nervoso com o vírus, estou passando por um período terrível e preciso ter certeza”. Então um charlatão vem até mim e me diz: “isso é assim, assim e assim”, e eu acredito porque isso me dá uma certeza. As pessoas precisam estar atentas para isso, pois a última coisa em que você pode confiar é em alguém que te dá uma receita muito clara. A vida não é assim. Acho que você tem que ensinar na escola que as coisas são incertas. O método científico existe para aliviar esses erros da mente e das emoções que nos levam a nos atirar de um penhasco.”
Link completo da entrevista aqui: www.cafehistoria.com.br/vacina-contra-desinformacao-entrevista-helena-matute
Se você deseja saber um pouco mais sobre a questão que trouxe sobre escravos em Palmares e os usos políticos do passado, assista o documentário Legado Negado: a escravidão no Brasil em um guia incorreto
www.youtube.com/watch?v=tSMyb2ygxXw