Hábitos peculiares
Início do dia. Consulto redes sociais depois de algum exercício e café. Dentre as notificações, uma amiga chama a atenção para um texto bem humorado que havia compartilhado. Algo simples. Havia ouvido no dia anterior uma daquelas brincadeiras com a fonética com outras línguas, como brincar com a palavra Díaz de Cameron Díaz para se referir a Dias. Nada de grosseria, alvos de ataques. A pessoa em questão não foi ridicularizada e nem mesmo sabe do que se trata.
Mas minha amiga disse que a pessoa poderia não ter rido (o trocadilho foi com o sobrenome Hill, relativo à riu) e que seria uma possibilidade para que atos de opressão para com apelidos e bullying ocorressem. De fato não havia qualquer correlação entre o apontamento e o que ocorreu. Entretanto, enquanto educador e alguém preocupado com o bullying na trajetória de aprendentes, comentei que o apontamento de minha amiga era pertinente, no sentido de atenção a possíveis apropriações de meu texto para efetuar perseguições. Além disso, editei minha postagem explicando com detalhes o intento da piada e meu posicionamento acerca do bullying. Normal, tudo bem.
Ocorre que fui advertido por uma pessoa que eu tenho o hábito de ceder, de não lutar pelo meu ponto, que não era para editar o comentário. Se eu achava algo e a outra pessoa achava outra coisa, que ela lidasse com isso. Além de achar no mínimo peculiar este comentário, recordei alguns questionários que tinham a pergunta “você leva seu ponto de vista até o limite?”, pedindo para atribuir aquela escala que vai de “discordo totalmente” até “concordo totalmente”.
Acontece que as coisas são mais complexas que “não lutar pelo ponto” ou “ceder”. Já parou para pensar como é possível estar certo e ceder? Ou estar errado e não ceder? Ou moderar o que se cede? Aliás, o que é ceder? E o mais importante, será que temos de manter nosso ponto de vista a todo e qualquer custo ou — olha só que ousado — poder mudar de ideia durante uma conversa?
Considero o hábito de entrar em uma discussão sem ter a abertura a conversar e mudar de perspectiva como uma das práticas mais peculiares que tenho experenciado nos últimos cinco anos. Não sou nem um pouco nostálgico, mas quando converso com algumas pessoas sinto que as mesmas, antes de uma argumentação, parecem se armar para entrar em um combate. Ok, ok; há batalhas, há questões — como o fascismo crescente — que são intoleráveis. Mas muitas vezes o diálogo enseja (e se sustenta) em um espectro de tensão e negociação, suas margens aumentam e diminuem. E é ali que o consenso, as novas proposições e até mesmo o convencimento emerge.
Entretanto, se você parte com pedras em mãos para “se defender” (na real, para agredir outrem), este espaço compartilhado no qual há pontos de contato e troca entre os interlocutores nem ao menos é armado. Em outros termos, não estamos estabelecendo o protocolo de troca de mensagens. Aí o diálogo vira uma disputa por uma suposta “vitória” e, para além de nos mantermos sem qualquer abertura a outras perspectivas (o que é reforçado por quem apoia as respostas agressivas), dificilmente conseguimos acessar quem tem opiniões distintas, sendo praticamente impossível os convencer.
Regresso à minha postagem, ao meu texto. Eu não “cedi” ou “perdi”. Eu fui alertado pela possibilidade de interpretação equivocada de minha mensagem e achei por bem a detalhar. Ao fornecer mais informações, menos ruído e incompreensão podem ocorrer. Tenho certeza, inclusive, que se tivesse feito a postagem originalmente com o aviso que editei futuramente, minha amiga não faria o comentário que chamou a atenção para usos da piada enquanto bullying. Ou seja, ela E eu estávamos corretos, não um OU outro. E a soma de perspectivas, ainda que críticas, não se esquivou do conflito, da fricção. Porém, por meio da crítica, um novo consenso foi atingido.
Por outro lado, quando há um enfrentamento direto numa relação binária de oposição, é mais comum que cada qual vá para seu “corner de pugilista” e aguarde a contagem de pontos (ou curtidas) para determinar quem é o vencedor.
Hábitos peculiares…