Gostei bastante das reflexões. Suas e do Odmir. Penso cada vez menos em relações binárias (vitória e derrota), mas entendo como são funcionais ao pensarmos em jogos.
A questão é que jogos narrativos possuem uma dupla estrutura que gera certo esgarçamento polissêmico do "perder".
A primeira se refere às histórias, às narrativas que se constróem durante os jogos. Perder pode ser concebido como um ato, arco ou segmento de queda. E isto confere mais drama e aprofundamento ao enredo. Perder adensa personagens e gera mais adesão à trama, gana a seguir, desvios de rotas, preparo e todo um arco que pode preceder a apoteose. Observo parte de seu apreço a esta dimensão, haja vista que também escreve, como eu.
A segunda estrutura tem a ver com seu comentário. A relação entre nós e o destino das personagens gera identificação, um elo, um vínculo. E o incontrolável e intangível futuro que está no dado em nossas mãos sintetiza a perda - de controle - que é parte da paixão (pathos) de jogar. É a dor por não conseguir transformar desejo em ato, o gozo quando se consegue, mas a despeito do efeito da jogada, o naco de tempo entre "eu quero fazer" e o resultado da jogada é pura vertigem e perda (de si, do outro). O ínfimo tempo dos giros sem-fim do dado antes de revelar o número em sua face à mostra é, paradoxalmente, uma eternidade. Naquela perda do ar, da fala, do controle, encontramo-nos humanos na ficção jogada a nossa frente.
Discordo, porém, que jogos narrativos não possuem condições discretas de vitória e derrota. A derrota, não a falha, não o fracasso, não a perda, é o "fim de jogo". E a vitória é o progresso na narrativa (normalmente condicionada à superação de desafios e aquisição de recompensas). Inclusive tenho pensado em como é ruim para a análise e estudo de jogos não analisar um jogo narrativo como um jogo (não se usam termos como mecanismos de recompensa, loop do jogo, condições de vitória, fases do jogo, etc.). Reflito como isso impacta nas poucas conexões com outros jogos que poderiam emergir. Mas essa tangente já foi longe demais.
Gosto de perder e me perder em jogos. Amores da Vila do Caju começa com Perca-se, no imperativo mesmo. E gosto de pensar em formas de jogar histórias diferentes da mais tradicional: fantasias de controle sobre o destino. Grande parte dos jogos atrela a progressão de personagens ao controle sobre o que pode lhe acontecer. E isso, novo paradoxo, gera uma curiosa instância lúdica: quanto mais se joga, há uma curva de redução de abertura. Quanto mais experiência, menos se arrisca. Quanto mais se joga, menos desejamos o risco. Quanto mais progresso, menos nos colocamos "pra jogo" (e aí, por exemplo, todo o debate sobre a evolução de personagens em magos lacunares, por exemplo). Busco, há tempos, outras leituras. Não por não criticar algo pura e simplesmente. Mas para experimentar outros arranjos, outras abordagens.
Não sei nonde (lembrete: usar mais nonde; é gostoso demais escrever esta palavra) isso vai dar. Mas tá valendo o passeio. A brisa já tá rolando.
A gente se vê em jogo. ;)